Dicas de Viagem

O poder da saudade no coração viajante

Caminhei sem planos pelas ruas de Portugal sentindo o frescor de um vento gelado de fim de inverno, o cheiro marcante de arruda, alecrim e folhas de laranjeira, a agilidade no voo do corvo, os cafés cheios de pessoas atentas a TV assistindo silenciosamente o jogo de futebol.

Com as mãos no bolso do casaco por causa do vento frio, passei por uma ponte sobre um lago que dava acesso a uma rua apertadinha em direção a escadaria de mais ou menos 30 degraus para um pequeno castelo e, enquanto a subia, imaginei o que minha amiga diria se visse aquele cenário.

As lágrimas caíram quentes mas se tornaram frias rapidamente congelando meu rosto. Cheguei no castelo e me sentei em um banco. Fiquei a pensar.

Faz tempo que não escrevo no blog. Ainda neste momento tento escrever porque sei o quanto me faz feliz, mas as palavras faltam.

Já ouvi muito sobre bloqueio criativo de escritores mas nunca pensei que aconteceria comigo. Nunca tinha acontecido, as palavras geralmente fluem de forma simples e mágica, tão natural quanto respirar.

Estudando sobre estruturas textuais me deparei com a explicação de um autor que dizia que todas as histórias têm características semelhantes e o momento inicial mostra qual será a temática principal: Drama? Terror?Romance?

Independente do tema da história, sempre haverá o momento catalisador em que o estilo de vida dos personagens principais é balançado e ocorre algo que os marca dolorosamente para que no fim haja um fechamento feliz.

Todos temos momentos como este em nossas histórias pessoais e por isso nos identificamos tanto com roteiros de filmes ou livros. Essa é a estrutura do texto tradicional, por isso nos chocamos quando o final não é o que esperávamos. E não foi diferente comigo. Me planejei, organizei mas muitas coisas deram errado.

Em adição a isto uma das minhas grandes amigas, parceira de viagem, descobriu que estava com câncer. Lutamos. Nossas viagens, geralmente eram nas montanhas, amávamos observar os diferentes tipos de pássaros e tons de laranja de um pôr do sol.

E a luta durou 1 ano mais ou menos. Quando ia ao hospital ela me dizia o quanto sentia falta da sensação do sol na pele, de respirar bem, da liberdade.

E foi neste momento da minha vida no Brasil que encontrei na viagem um refrigério.

O ser humano se gaba da tecnologia, da ciência, do poder e dinheiro, mas quão limitados somos quando a morte vem para quem amamos. Ela é natural, inevitável… mas não nos acostumamos.

Um dia antes, tivemos aquela que seria a nossa última conversa por chamada de vídeo. Foi alegre e divertida. Marcamos de viajar juntas quando tudo isso passasse. “Vou abrir uma exceção e comer bacalhoada”, disse ela que não comia peixe. “Que bom te ver bem, é assim que gosto de te ver”, falou por último com um lindo sorriso.

O decorrer dos dias depois que recebi a ligação sobre a morte de minha amiga foram tristes e introspectivos. Queria ouvir a voz dela, ouvi-la filosofar ou brigar comigo se não estivesse prestando atenção na minha alimentação. Olhei fotos, reli mensagens na necessidade de mantê-la viva. Achei um livro que ela me deu em 2006, “Uma vida com propósitos” de Rick Warren, com uma linda dedicatória escrita a mão, sorri.

Nós viajantes lidamos o tempo todo com despedidas. Elas não são fáceis. Mas não partir também não nos faz mais completos. Por vezes somos repetitivos e recontamos experiências passadas, sempre acrescentando um detalhe novo que tinha sido esquecido. Mas isso é porque apesar de criarmos sempre histórias novas, sabemos também o poder que há em lembrar.

E o que fica?
A saudade.

A saudade é poderosa. É um sentimento bom que faz as lágrimas caírem de vez em quando, que produz sorrisos, que faz crescer na gente a sensação maravilhosa de que vivemos, sonhamos, amamos, tivemos esperança. Só sentimos saudade do que é bom. Só a saudade nos dá o poder de repetir sempre no coração da gente tudo o que valeu a pena nesta grande e complexa jornada que é a vida, e assim, continuar.

Este é meu registro de saudade da minha amiga e fisioterapeuta Roberta Dias, que enquanto esteve aqui iluminou a todos com sua paz, sorriso, cuidado e amor por viagens, vivendo uma vida com propósitos e de propósito!